segunda-feira, 22 de maio de 2006

Cuidado com o que desejares Midas


Estive observando o Fogo. Não o fogo contido num pavio como estamos habituados, nem aquele encerrado em uma lareira, comprimido e triste. Mas Aquele solto, no tempo, desafiando a umidade da noite. O próprio Vento, o meu Vento, embora se mantivesse presente para me confortar, respeitava-o.

Fiquei ali hipnotizado, como sempre fico quando me deparo com a beleza que não é comum. O cigano do casaco vermelho brindava-o com seu cálice de estanho em pulos descuidados; os hindus brasílios cantavam-no em plenas gargantas buscando, inutilmente, maquiar-lhe a cor; os europeus colonizados, atrapalhadamente, dançavam-no enroscando em lã industrializada. E eu, metido à beira, só observava-lhes a liberdade, e percebia-Lhe a força. Era líquido escorrendo para as estrelas.

Sempre invejei essa liberdade. Indiferente ao que se põe no caminho, ao que olha, continua em sua ação abrasadora. Não se preocupa com as toras sobre si impostas. Corrói-as até poder serpentear novamente a céu aberto. Os julgamentos não os paralisam, colocam-se à margem e tentam consumi-los. Fiquei ali, inerte, a desejar esta força ígnea para remover os obstáculos. Queria poder carbonizar as barreiras para viver livre.

Mas Dionísio foi evocado veio brincar, como sempre se divertiu com os conceitos dos deuses. Deixava seu sumo adocicado correr entre os presentes, tendo o cigano por patrono. Foi ter com Shiva em seu altar, alimentou-se da fumaça do incenso. Na volta, leu meus anseios e veio a sussurrar-me.

“Posso realizar o que queres, mas cuida. O último pobre-coitado a quem presenteei, por pilhéria, morreu de inanição. Não se deve desejar, assim, inconseqüentemente, podes ver-te atendido. Antes, estou alegre o suficiente e não pretendo divertir-me contigo, far-te-ei uma prelação.

Vê, atiraram mais uma tora ao fogo, caiu descuidada percebes? Está a extinguir-se, a violência assustou-o. Pensou que não é mais desejado e timidamente recolhe seus braços. Claro que pode virar-se e acabar com a tora, mas não sem antes acabar com a festa. Ele é livre, mas condiciona-se à liberdade que ele próprio se deu.

Agora está ali o cigano a dar-lhe Vento. O Vento é tão forte quanto o Fogo, tão livre quanto o Fogo. Se quisesse poderia derrubar a tora, mas prefere instigar o Fogo para que o faça, assoprando em seus ouvidos o quão desejado é. Diz ao Fogo que ele possui o poder de explodi-la caso queira, e lhe dá a certeza de sua Força. Percebe, o Fogo vai crescendo, perdendo a mágoa e abraçando a tora, tornando-a parte de si mesmo.

Todos – o Fogo, a Água, o Vento e a Terra – sabem intimamente que podem exterminar – seja com explosões, ondas, furacões ou tremores – o que se colocar à sua frente. Infelizmente esquecem-se e só usam tais artifícios quando o medo do obstáculo é sobremaneira grande. Seria ideal se pudessem lembrar disto sozinhos, mas seguidamente precisam ser atiçados, canalizados, desobstruídos ou revolvidos. Atenta, o vendo o está fazendo.

Confiante o Fogo volta à cena, e feliz chama para a festa. A propósito, está a me chamar. Lá vou. Não fiques aqui a marejar-te de orvalho. Vai ter com o fogo ou espevita-te a ti”.

Despedi-me da exótica Rainha da festa e fui soprar noite afora. É, não sou fogo. Parabéns e Obrigado!

Copyright © 2006 Lawrence Wengerkiewicz Bordignon

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