sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Doces Saudades

Algumas vezes o passado bate à porta e nos deixa sem ação. Impressionante como nos entregamos à nostalgia sem defesas. Mesmo porque só temos o pudor de usá-las para não deixar isto transparecer... Mas é bom comer o chocolate da lembrança, mesmo que escondido, pra que ninguém olhe com aquela cara de assombro e pergunte a respeito do regime.

E que chocolate bom! Não aquele carregado de vontade, desejos soltos de ter o que não foi. Que queima o coração e derrete as veias num palpitante soluço de ausência.

Muito menos aquele fumegante, com temperos, que embora perfumado, se toma aos borbotões, com a tosca esperança de que a pressa diminua a culpa.

E esta então! Temperinho mais ardido! Os melhores chefes não conseguiram desenvolver um calmante para o paladar. Fato é, comeu dela? Bom, relaxe, pois só depois de muita água vai conseguir mexer a língua de novo. Principalmente aquela vermelhinha... sabe aquela... do amor?

Não, chocolate bom não precisa de recheio. Chantili é apego e, um pequeno acidente, deixa a alma muito difícil de lavar. Cerejas, como qualquer paixão, perdem o gosto muito rápido e viram um melado avermelhado e sem graça. Amendoins e crocantes em geral são para divertir na hora de mastigar, mas ficam incomodando depois.

Melhor é aquele simples, que vem em barra. Que não esfarela quando quebrado, só suja os dedos. Mas isso não é problema, deixa mais divertido comer. A boa nostalgia perfuma o quarto quando se tira o papel prateado... Tem o cheiro do primeiro pedaço, do primeiro beijo... Tem o gosto que faz esquecer o Tempo... passado na academia.

Copyright © 2005 Lawrence Wengerkiewicz Bordignon

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segunda-feira, 4 de julho de 2005

Matem o Gato Listrado

Fui passar com Alice. Obviamente não comi o cogumelo, mas embriaguei-me com a bebida vermelha.

Conheci o país das maravilhas, ou voltei a ele, não sei bem. Neste enlevo entreguei-me ao cheiro há muito esquecido.

Por óbvio o Gato sempre esteve lá. Mas preferi não dar-lhe ouvidos. Deixei-me conduzir, mesmo que não saiba fazer isto sem a falsa impressão de eu mesmo estar dirigindo. Mas como se dirige um sonho?

Bebi do café do chapeleiro, pois chá é muito europeu para nosso país tropical. Fui apresentado a toda a corte. Encantei-me com suas figuras. O próprio Valete de Copas me levou às maiores aventuras de seu mundo.

Diverti-me. Passeei no bosque. Arrisquei-me com cachorros. Comi peixe cru e, alfim, vivi. Entreguei-me ao imediatismo próprio dos sonhos. Estranho como nosso corpo ganha vontade própria algumas vezes!

Assim, cometi o pecado mortal. O homem não pode querer o fogo dos deuses. Muitos já foram punidos. Pelo menos não tive meu fígado retirado do corpo. Simplesmente fui arrancado da cama.

O sonho desfez-se depois do último deleite. Acordei. Envergonhei-me. Mas evitei a fuga. Continuei socorrendo-me no Valete, mas a Rainha havia proferido a sentença.

Antes da guilhotina, perguntei ao Gato Lógico por uma saída. Seria a porta pequena ou a grande. Escolhi a mais próxima, a própria do Gato.

Fica o cheiro do café.

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quinta-feira, 9 de junho de 2005

Com puta dor

(mudemos, um pouco, o estilo)

Li que o cérebro humano é o processador mais rápido do mundo em determinados momentos. Nenhum supercomputador seria páreo. O raciocínio prático pode teorizar e calcular valores absurdos em um milionésimo de segundo. Mas é também o maior banco de dados que se tem notícia.

Talvez o segredo da inteligência seja a senha de acesso. Cada vez me espanto mais com a intensidade das coisas simples. Nenhum algoritmo inquebrável ou seqüência alfa-numérica extensa. Só um cheiro, um susto, um toque do travesseiro.

E computador humano entra em atividade. Imprime milhares de páginas de olhares que me fazem devanear. Converso com quem não está ali. Monto histórias do que seria. Faço surpresas indesejáveis.

Ordena a liberação de um sem número de hormônios bombardeiros, que angustiam, depois libertam. Sinto, cheiro, vivo.

Sonho! infectou o programa.

O antivírus entra em ação com atraso. Scaneia, separa, define. “Encontrado vírus de alto risco. Excluir?”. Clico em “Quarentena”.

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terça-feira, 31 de maio de 2005

Celebrai

Avaliai a morte iminente da farsa coesa da criatura loquaz:

O pensamento neutral na mente cansada destroça a realidade, sem compromisso e sem destino. Larval e rudimentar expõe a equação sempiterna da personalidade as suas bases mensuráveis, singulares. Depois, divide-as, subtraindo discursos, multiplicando as vontades, adicionando valores.

Tudo analisa e tudo avalia, sem definir. Armazena.

Presenciai a morte coesa da farsa permanente da criatura loquaz:

A massa inerte é misturada, diluída e depurada. Dela retiram-se as paixões os desejos e os retrocessos. Peneiram-se os amores e as felicidades esquecidas. Extraí-se o sumo dos fatos que os causaram.

Produzem-se os antídotos, aplicam-se-nos, e verificam-se os resultados.

Por hora foi útil. A mutação da praga combatida, contudo, obriga a constante busca dos remédios. Nada é estanque, nada é definitivo. Herculeamente se persiste. Novas misturas de vontades, novos calmantes de desejos, novos escapes de paixões. Fórmulas que não suprimem o vírus, mas retardam sua atividade. Ele volta a calcinar.

A ciência já não é mais útil. Busca-se a filosofia, e uma carruagem forte o suficiente. Possivelmente só os pássaros selvagens poderiam vir em socorro.

Neste novo mundo, ao lado da Rosa, limpando vulcões, percebe-se que a cura foi dita há muito a Alcibíades.

Celebrai a morte loquaz da farsa coesa da criatura eminente:

Conheço-me a todos.

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segunda-feira, 23 de maio de 2005

Pendendo da Árvore

Amadureço em prosa, pois não sei faze-lo em versos. Falta-me a musicalidade. Embora por óbvio lhes compreenda a métrica, nunca soube diferenciar um dó de um mi.

Talvez seja tudo culpa de Sininho. Não me deu pó do pirlimpimpim suficiente para que pudesse cantar. Só o necessário para poder me enxergar com os olhos de Peter.

Estive na Terra do Nunca. Lembrei da época em que enxergava sabres em pedaços de pau. Gloriosas guerras em pequenos embates entre maltrapilhos. E vi que cresci.

Mas, diferente de Wendy, que conseguiu o paralelo ideal entre os dois mundos, cresci como se cresce hoje, ou sempre se cresceu. Achando que os amores imortais só são eternos enquanto duram, que os amigos sempre serão amigos, não importando a distância e que o trabalho enobrece o homem.

E então vem Peter e sussurra nos meus ouvidos. Fala que os amores serão eternos, não importando quantos deles eu tenha na vida. Que meus amigos sempre serão meus amigos, mas de que isso vale se eu não brinco com eles. Que o trabalho é uma forma de se manter vivo e não um motivo para o qual se vive.

Mostra-me que a segurança da vida adulta não é nada senão uma grande máscara que se monta para esconder o frio da barriga, as noites de choro, o sonho com os desejos.

Mas como confiar em alguém que escolhe estar estacionado?! A vida deve ser vivida mas os acontecimentos precisam servir para algo e, alfim, a escolha de como se absorve a vida é dos donos dos acontecimentos.

Ainda, por que permanecer verde e abrir mão do néctar adocicado se é ele que chama atenção? Das cores do amadurecimento? Das festas da colheita?

Sem ação, tento socorrer-me em Wendy que, tranqüila, salva-me: entenda que o amadurecimento é o último estádio antes da podridão, a sabedoria reside na ciência de onde parar.


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quarta-feira, 11 de maio de 2005

Devaneios Vestibulares

Vivemos numa época de resenhas, não de filosofias. O conteúdo do que se diz tornou-se menos importante que sua contextualização. Isso faz do verdadeiro autor não aquele que busca pela correta aplicação da estrutura sintática ao tema pretendido, mas sim aquele esmiúça e delimita sua obra. Mesmo o garimpo morfológico do léxico, necessário às insurgências pretéritas, perdeu seu lugar para os remoques diretos. Talvez a falta do medo tenha causado tal apatia lingüística. E depois se diz que a censura foi no todo inútil!

Ora, o vernáculo não é um fim, é um meio, embora completo em si mesmo. Um meio porque dá vida à idéia. Completo pois, por sua própria natureza, deve prescindir de explicações.

A modernidade, no entanto, acelerou o ritmo cardíaco, em detrimento de outros. Morre-se mais de infarto ao mesmo tempo em que se deixou de pensar. Não se faz mais refeições demoradas, que foram substituídas por idéias prontas para se deglutir.

Assim, rendo-me, ao mesmo tempo em que me desculpo pela pilhéria. Sou, conceitualmente, contra qualquer tipo de imposição e, portanto, declino da capacidade de usar o puro vernáculo, e explico-me.

Sempre em prol da objetividade, ainda que indireta, sou praticamente um médium, encarno os santos e vivo seus milagres. Usar uma pessoa diversa daquela que incorpora o ego me cansa. Prefiro relatar experiências próprias, ainda que em comodato, pois, para o bem ou para o mal, me serviram. Assim, merda aos olímpicos!, uma vez que nem só os atores têm essas prerrogativas.

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segunda-feira, 18 de abril de 2005

Escreva!!!

Se é para ter um blog (também) entao vamos lá...

Escreva!!! Já me usaram esse verbo assim conjugado, na terceira pessoa do singular do imperativo afirmativo, algumas dúzias de vezes.

Esquecem-se, contudo, meus mandatários que escrever, para uma alma como a minha, não pode ser transitivo direto. Sou inconstante e complexo. Talvez por isso os verbos se apliquem mais a mim quando bitransitivos. Não me basta a ação...

Movimento sem conteúdo e destinação é desejo, entendido como a vontade sem objeto e mira, e, assim, impraticável. Sonho!

Não que sonhar não seja fundamental. Não disse o poeta “sonho, logo existo”? Mas que seria essa existência mais do que uma vida alienada de propósito.

Desejar é antes um meio, assim como a escrita, para um fim. Não me basta o tirocínio mental para fazer os dedos vomitarem palavras sem que as mesmas não tenham o condão de discutir e inflamar alguém que, supostamente, venha a lê-las. Assim como não me apetece a idéia de que meus devaneios oníricos sejam, para sempre, unicamente isso, sonhos.

Aos que me ordenam incito ao complemento da sentença. Dêem ao verbo os seus complementos. Mesmo porque todo verbo deveria ser transitivo direto e indireto. Com exceção de “amar” talvez...

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Conselho aos agricultores

Fui descuidado. Durante muito tempo deixei o terreno sem tratamento e me importei pouco com a qualidade das sementes. Fiz pouco caso disto, ...