quinta-feira, 8 de março de 2007

Paixão Sintética

Era um lingüista na essência. Andava pela vida apregoando que poucas palavras bastavam à comunicação.

Estas, que usava com economia, tinham para ele sentidos completos. Via em frases curtas imagens que só filmes inteiros poderiam reproduzir. Detestava hipérboles e repetições. Não gostava de exemplificar e, sob hipótese alguma, simplificava-se.

Suas frases eram esmeradamente construídas levando-se em consideração, unicamente, o significado, jamais o efeito. Deixava para que o seu interlocutor descobrisse o que quis dizer. Se aquele não se esforçasse, bom, nada imputava a si mesmo.

Contestava Saint-Exupéry dizendo que as palavras só seriam fonte de mal entendido se usadas ou, o pior, recebidas por um ignorante. Seriam elas completas em si mesmas.

Até que ouviu em sua orelha um “eu te amo, lindão!”. Não lhe importou que a frase fosse dita por uma prostituta em retribuição ao valor pago.

Divagando sobre o seu sistema de raciocínio, talvez a donzela devesse expressar seus agradecimentos no momento do gozo. Mas escolheu interpretá-la como uma real demonstração de seus sentimentos. Enfim, por que falaria de sentimentos se não os tivesse?

Passou a persegui-la. A interpelá-la. A dama tentou explicar-lhe, e manter o cliente, dizendo-lhe que realmente o amara, naquele momento. Por óbvio, ele sofria de surdez temporária sempre no último pedaço da frase.

Padecia. E, quando as palavras que falava ao espelho faltavam, chorava. Mesmo assim não compreendeu.

Numa certa noite, enquanto espreitava sua Vênus da esquina do outro lado da avenida, viu-a sendo molestada por seu superior. Foi-lhe ao socorro. Não se preocupou em olhar para os lados. Arrebatou-o um caminhão.

E, até aquele momento, viveu.


Copyright © 2007 Lawrence Wengerkiewicz Bordignon
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quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Gerundiando

Peguei-me a pensar no de repente de Vinícius. A língua é sábia. A ação contínua não merece um tempo verbal próprio. Se usar o gerúndio, devo isso à minha carência humana pela constância.

Falsa idéia que me dá. Seria no todo desnecessário se entendesse que algo que acontece só o faz para acabar. Assim, bastaria o presente, pois, uma vez acabado estaria no passado. A onça não está correndo, mas sim corre! Quando parar, aquela jornada deixa de existir, para recomeçar outra absolutamente nova.

Não sou instintivo como as onças. Apego-me à possibilidade do movimento sempiterno. Mais ou menos como faço para medir velocidade constante, linha reta ou crescimento bruto, crio meu socorro lingüístico em condições ideais de temperatura e pressão. Gerundiando!

Comecei a gerundiar quando comecei a crescer. Não fiz minha lição de casa, mas a estou fazendo. Não brinco na rua, mas estou voltando do colégio. Não estou apaixonado, mas estou gostando muito.

Mas, embora teime em estar vivendo, como para me defender, ela, a vida, me faz analisar sua sintaxe.

De repente meu carro está todo amassado no acostamento. De repente eu percebo um olhar furtivo na lanchonete da universidade. De repente meus avós estão mortos. De repente aparece um emprego novo. De repente estou sozinho.

Naquele de repente que muda tudo, sem a necessidade de um processo contínuo de eventos, está a essência. De repente, acordei, e vi que vida, e tudo o que mais importa nela, se constrói de repentes.


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