segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Conselho aos agricultores

Fui descuidado. Durante muito tempo deixei o terreno sem tratamento e me importei pouco com a qualidade das sementes. Fiz pouco caso disto, ainda que as colheitas não fossem completas. As vezes conseguia tirar da terra um olhar maroto, de vez em quando um beijo roubado mas sem sentido. Com alguma sorte nascia uma meia hora de diversão.

Chegou o momento onde desisti. Abandonei a fazenda e parti para a vida movimentada da cidade. Parei definitivamente de plantar. Comprava tudo o que precisava nas prateleiras noturnas de mercados movimentados. Inclusive, achei um modelo genérico de carinho que pode até funcionar por certo tempo. Mas claro, é industrializado e, por isso, o gosto é bem mais leve e pouco envolvente. Passa logo.

Por sorte, enquanto teimava em plantar, não sofri o problema comum dos agricultores deste país. Por muita sorte mantive-me longe dos bancos. Não empenhei meu nome portanto, e, assim, estive livre para a sacada.

Nunca falei da sacada. Este é um lugar que invariavelmente se repete pela minha vida, sempre chegando em horas mais precisas de mudança. Por certo não é sempre igual, nem tem a mesma altura. A única semelhança é a proximidade que me deixa de Sua Majestade Prateada.

De novo, olhando para ela, percebi os ciclos que vivo junto com este mundo e o universo de causa e efeito em que me envolvo inclusive durante o sono. Daí, o quão inútil era minha crença de que a colheita se fazia por ela mesma, independente da intenção, da minha intenção, enquanto plantava.

Abaixei os olhos e me recolhi. Voltei à fazenda.Estava lá, boquiaberto em perceber como o terreno havia se regenerado, sozinho, independente de mim. O tempo em que o deixei fez-lhe bem.

Enquanto o contemplava, caiu-me aos pés uma semente. Olhei-a. Era um pouco pálida, embora se percebesse algo diferente nela. Desta vez não a joguei. Depositei-a com cuidado, revolvendo a terra e cobrindo-a para que não esfriasse.

Espantei-me com o resultado, quase que imediato. Cresceu rápido, violácea e verde, e eu colhi a maior safra de fartos sorrisos que já vira. E, ainda, eles eram deliciosos.



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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Devaneios pós-vestibulares

Voltei a pensar. Já tinha até perdido a prática. Coloquei a culpa na ausência da pena certa, depois na tinta vencida, depois na falta de hábito de tê-la à mão. Em momento algum fui honesto. Não me faltavam os meios, mas sim o motivo. Não pensava e, assim, não havia o que escrever.

Contemplava, sem nenhum fim ou necessidade. Mais ou menos como um leigo, eu, por exemplo, faz diante de uma obra de arte. Reconhece-lhe a magnitude, e é isso.

Mas recordar e discutir faz ter vontade de comprar, ter para si. E o problema que se impõe é seu preço, tanto aquele da etiqueta quanto o de sua manutenção. Nada que seja bonito é isento de custos.

Preciso encontrar o Marchand, convencê-lo a vender-me, fixar o preço. Feito isso, vem a transformação do lugar para colocá-la, o seguro, a limpeza especializada.

Parece tudo difícil de mais, só para possuir o efêmero. Talvez a grande divergência esteja nessa exata frase. Possuir só se possui o efêmero: o mármore, a tela, a tinta. A Obra, essa, em maiúsculo, não se tem. Vive-se-a.

Então, onde entra o pensamento?



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Conselho aos agricultores

Fui descuidado. Durante muito tempo deixei o terreno sem tratamento e me importei pouco com a qualidade das sementes. Fiz pouco caso disto, ...