segunda-feira, 12 de junho de 2006

O Lirismo Difícil e Pujante dos Bêbados

Não há dia melhor do que hoje para se falar de amor. Então, vamos a ele. Mas não posso falar do amor presente, sou humano oras! E como qualquer humano, só lembro do amor quando ausente. Somos seres intrinsecamente nostálgicos, gostamos de lembrar, não de viver. Claro que uma vez por ano, na data marcada, lembramos dos nossos pais, mães e amores, mas sempre é mais forte para aqueles que já não os têm.

Este final de semana conversei sobre esta ausência com uma pessoa que não tem mais, absolutamente nada. Nunca havia entendido quando Manoel dizia preferir o “lirismo difícil e pujante dos bêbados” àquele comedido, feito tabela de co-senos. Achava que, por sua vez, estava a “liiritizar” também. Mas, outrossim, não me havia dado ao trabalho de tirar a prova.

A providência o fez por mim. Meu final de semana solitário foi interrompido por um cumprimento titubeante, numa tarde ensolarada de sábado, seguido de um auto-convite para sentar-se no mesmo banco. Após bloquear minha vista do mar, que se abria esverdeado à minha frente, afirma, ao mesmo tempo em que sinto o cheiro acre do álcool, que estava precisando de uma cachaça. Fez com que o asco original, surpreendido pela honestidade, desse lugar a uma curiosidade pueril.

O meu sujo interlocutor, então, começou a versejar. Enquanto montava o presente que me prometeu pela cerveja que o pagaria, criou um longo poema sobre a alteração dos reais valores da existência, alguns sonetos sobre a vida e suas dificuldades, pequenos quartetos sobre o medo das pessoas, uma narrativa, com requintes de Gonçalves Dias, das suas aventuras na casa em que ocupa onde, no meio das tabas cercadas de flores, entram sabiás e beija-flores quarto à dentro.

Sempre que lhe faltava uma palavra, ou não conseguia a rima pretendida, perguntava-me se o estava entendendo. E eu divertia-me com suas histórias, ao mesmo tempo em que tentava desviar da brisa marinha que me mostrava a falta de um bom banho.

Mas o melhor reservou para o “finale”. De todas, montou a mais pobre das rimas em língua portuguesa. Começou lembrando da vida pretérita, dos dias em que ainda não era conhecido por alcunhas. Lembrou-se da profissão de da mulher. Da casa há muito abandonada. E falou de amor. A última palavra do verso, precisei subentender nas lágrimas. Enquanto desejava um simples jogo de bola na areia com a filha, senti fisicamente sua dor.

Obviamente chorei com ele e obriguei-me a recusar o convite para sentarmos juntos em uma mesa de bar. Saí caminhando na beira da praia, pensando em como seria o mundo se as pessoas entendessem sorrisos, mesmo um esburacado como aquele. Rezei mais pela minha própria falta do que pela dele.

E deixo meu apelo: Fernanda, onde estiver, procure seu pai. Você pode reconhecê-lo pela marca do escorpião no braço, os infantis olhos azuis dentro do rosto marcado e, caso ele mantenha a promessa, pelas presas de vampiro no lugar dos dentes caídos.

Copyright © 2006 Lawrence Wengerkiewicz Bordignon

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segunda-feira, 5 de junho de 2006

Palavras de Uma Morta

Tive mais uma seção digna de Chico Xavier. Começo a divertir-me com a idéia. A noite de Domingo, após o prelúdio da desgraça entoado na música de fechamento do Fantástico, foi preenchida por uma cena, no mínimo, inusitada. Desta vez não conversei com os mortos, mas psicografei. Sentado à frente do computador, sem nada absolutamente importante ou mesmo interessante para fazer, esperando a chegada de alguns e-mails, meu dedo desliza no touch, bate no ícone no word, quando minhas mãos são possuídas.

Claro que precisei editar o que foi escrito. Creio que a pobre expirada, que passarão a conhecer, estava acostumada com teclados ABNT2, e não com o US-I do meu notebook. Fora isso, peço desculpas pelos erros gramaticais que porventura um observador atento possa encontrar. Mas em nome da frieza jornalística, e da paródia espiritual, mantive o resultado integral da minha preternatural domingueira. Ei-lo:

“É a Zíbia? Ihhh, acho que errei. Não é a Zíbia, as unhas estão bem feitas de mais pra ser a Zíbia! É isso que dá pedir informação pra curitibano, ainda mais morto. Bom, fazer o que né? Já que já estou aqui vai tu mesmo.

“Venho pedir-lhe ajuda. Não pra mim, mas pras meninas que continuam vivas e, por isso, vou contar minha história. Mas tenho q ser rápida. Tinham me proibido de fazer isso.

“Uma noite estava na sala Curitiba 3 do UOL quando conheci um cara. Pelo que me disse era dono de um hotel. Tinha 1,86, 80 kg bem distribuídos, 35 anos e era solteiro. Quando ele mostrou as fotos me espantei e fiquei pensando o que um cara bonitão daqueles estava fazendo solteiro até os 35 anos.

“Resolvi ir encontra-lo após o trabalho. Na realidade eu só estava interessada em transar. Tinha acabado de sair de uma relação de 3 anos e não queria mais sarna pra me coçar. E pelo papo que nós tivemos na net, achei que ele também.

“Mas quando o encontrei, no Marcolino claro, ele começou conversar. Mostrou-se uma pessoa altamente interessante e definitivamente disposto a ter uma relação estável. Conversamos horas. E, por mias incrível que possa parecer, ele parecia ser o cara perfeito pra mim. Gostava de tudo o que eu gostava, com exceção de maconha talvez. Mas isso não era um problema.

“Altamente encantador e charmoso, por mais que estivesse com o pé atrás, me convenceu de suas intenções. Me olhava daquele jeito que os apaixonados olham. Inclusive, mesmo quando deixei claro que queria beijar ele, passou a fazer manhas dizendo que não pretendia fazer aquilo aquela noite, por mais que tenhamos combinado, porque não queria que, sendo especial como era, fosse um caso só de uma noite e tchau.

“O Convenci, e acabamos chegando à 3ª base. O que é importante dizer é que durante todas as 3 horas de brincadeiras ele foi extremamente carinhoso e eu podia perceber em seu olhar que estava falando a verdade. Realmente, ele estava sendo absolutamente honesto em seus planos pra futuro e falando que eu era uma mulher especial.

“Mas eu precisava ir embora. Trocamos telefones. Inclusive, é o único Fulano registrado no meu celular (essa informação pode ser útil pra polícia). Novamente me olhou com aqueles olhos apaixonados que eu não via há muito tempo. Por causa disso, naqueles milésimos de segundo, imaginei todo o resto da minha vida ao seu lado.

“Chegou-se mais perto. Encostou seus lábios nos meus e enfiou-me uma faca próximo ao coração. Aqui eu peço desculpas, não posso responder às perguntas freqüentes de o que se sente quando se tem uma faca enfiada no coração. Digamos que a dor física era menor que a dor da decepção.

“Morri quase que imediatamente, Só, enquanto era puxada para o túnel, consegui escuta-lo dizendo: desculpas, eu realmente te amei, e não posso deixar alguém que eu amo vivo”.

É imperioso mostrar a minha frustração. Murphy falou mais alto e precisamente neste momento o Outlook apontou o recebimento do e-mail que esperava. Automaticamente meus dedos pararam de digitar. Fiquei estático, como ficamos no início de provas de datilografia, aguardando os comandos. Após meia hora naquela posição desisti e fui resolver o problema da comunicação eletrônica que tão bruscamente interrompeu mais uma incursão na vida de outrem.

Aviso à minha invasora de mãos que não posso fazer mais do que publicar a passagem para ajudá-la. Primeiro, por achar desnecessário, pois confio na polícia deste país e tenho plena convicção que os nossos delegados bastante cultos sempre buscam leituras novas e, invariavelmente, vão acabar encontrando este texto perdido pela internet.

Em segundo lugar, e o que realmente me prende, não tenho certeza se a explicita motivação altruísta é seguramente divorciada da sempre presente dúvida da rejeição.

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Conselho aos agricultores

Fui descuidado. Durante muito tempo deixei o terreno sem tratamento e me importei pouco com a qualidade das sementes. Fiz pouco caso disto, ...